ouça este conteúdo
No Brasil, abuso sexual aos 14 anos é estupro de vulnerável. Gravidez é risco. Aborto legal é melhor opção para o casal com medo.
LUANA LISBOA E GABRIELA BILÓBOA VISTA, PACARAIMA E AMAJARI (RR) (FOLHAPRESS) – Luísa (nome fictício), 11, sofreu o primeiro aborto aos sete anos. Sob ameaças de morte, as violências aconteciam na casa da sua avó, onde morava. Luísa engravidou do tio aos 10 anos. Com a mesma idade, parou de brincar de boneca.
Em meio à discussão sobre a interrupção voluntária da gravidez, é fundamental abordar casos como o de Luísa, que vivenciou situações extremas desde tenra idade. A proteção e o amparo a crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade são essenciais para evitar que casos como o dela se repitam. A sociedade precisa estar atenta e agir em prol do bem-estar e dos direitos das crianças, garantindo um futuro seguro e saudável para todas.
Aborto: Uma Decisão Difícil
Ela estava na escola quando a reportagem bateu na porta da casa de seus pais, na comunidade indígena Sabiá, município de Pacaraima, a cerca de 216 km da capital Boa Vista (RR). Chegou com a irmã mais nova e estendeu a mão às visitas pedindo bênção, reproduzindo o costume católico de demonstração de respeito aos mais velhos. Sua gravidez foi descoberta pela mãe no 4º mês de gestação –entre a 13ª e a 16ª semana–, e a família, da etnia macuxi, decidiu que a interrupção voluntária da gravidez seria a melhor opção. O casal tem quatro filhos com idades de 5 a 13 anos. Eles chegaram a perguntar à menina se ela queria ter o bebê, mas a resposta foi negativa, indo também de acordo com a escolha de seus pais.
‘A vida estaria pior, sinceramente’, diz o pai da criança. ‘Ia prejudicar minha família, minha esposa sofrendo com os filhos, e também tínhamos medo de o Conselho Tutelar tirar ela da gente’. O agressor, denunciado, fugiu.
A 65 km dali, na comunidade Três Corações, no município de Amajari, vive Amanda (nome fictício), 14, e sua família, também indígenas macuxis. Ela segura no colo, com alguma dificuldade, um bebê de seis meses, fruto de um estupro cometido pelo primo, de 29 anos. A mãe até hoje não sabe com detalhes o que aconteceu com Amanda. ‘Ela não fala’, diz. Mas conta o que sabe: Amanda não costumava sair muito de casa quando o primo foi passar um tempo na comunidade. ‘Ela estava passando mal, engordou, e por isso levei no postinho de saúde. Estava com sete, seis meses, por aí’, afirma a mãe. Diz que talvez tivessem tomado outra decisão, caso a gravidez não estivesse tão avançada.
Casos como o de Amanda são mais comuns do que os de Luísa. Ambas moram no estado com a maior taxa de fecundidade no Brasil para meninas de 10 a 14 anos, conforme levantamento feito pela Folha com base no Censo e no Sinasc (Sistema de Informações sobre Nascidos do Ministério da Saúde), com números de 2022, os últimos consolidados. Os dados do Sinasc podem, ainda, conter algum percentual de subnotificações.
No Brasil, o ato sexual antes dos 14 anos é considerado estupro de vulnerável e a gravidez é considerada de risco para a vida da gestante. Apenas 25 meninas entre 10 e 13 anos fizeram a interrupção voluntária da gravidez entre os anos de 2019 e 2023 em Roraima. Enquanto isso, houve 300 nascidos vivos de mães nessa faixa etária no período, de acordo com informações da Secretaria de Saúde do Estado.
Hoje, a legislação permite que o aborto seja feito em três situações: gestação decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal, sem limite da idade gestacional. O Projeto Antiaborto por Estupro, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), quer colocar um teto de 22 semanas na realização de qualquer procedimento de aborto em casos de estupro. Neste ano, no entanto, há mais um empecilho para quem mora no estado e quer ter acesso ao serviço. A única unidade neonatal de Roraima –que está habilitada a fazer a interrupção voluntária da gravidez– é a Nossa Senhora de Nazareth. No local, a Folha foi informada pela administração que o
Aborto: Uma Escolha Complexa
atendimento é feito mediante encaminhamento de um hospital público. A unidade, no entanto, não realiza abortos em casos de estupro, apenas em situações de risco à vida da gestante ou anencefalia fetal. Isso deixa mulheres como Luísa e Amanda em uma situação delicada, sem uma opção clara diante de uma gravidez indesejada resultante de abuso sexual.
Os relatos de abusos e violências que aconteciam na casa da sua família são perturbadores e revelam a necessidade urgente de políticas que garantam o acesso seguro e legal à interrupção voluntária da gravidez. O casal, em meio ao medo e à pressão social, enfrenta uma decisão difícil, ponderando sobre o que seria melhor para a jovem gestante e para a família como um todo.
Enquanto o debate sobre o aborto legal ganha destaque, é crucial lembrar que cada caso é único e complexo, envolvendo questões de saúde, segurança e autonomia das mulheres. O acesso a serviços de saúde adequados e o apoio emocional são fundamentais para garantir que as mulheres tenham o direito de escolher o que é melhor para elas em situações tão delicadas como essas. A proteção dos direitos reprodutivos e a garantia de uma decisão informada e respeitosa são pilares essenciais para uma sociedade mais justa e igualitária.
Fonte: © Notícias ao Minuto
Comentários sobre este artigo